Construção da Cesta Agroecológica, um produto inovador

    No ano de 2024 decidi estar ocupado em um projeto de agroecologia mais abrangente, que buscou construir um modelo de negócio na intenção de expandir a produção e o conhecimento sobre agroecologia.  A experiência de estar construindo uma alternativa viável para a agricultura convencional fez eu construir um sistema de produção e comércio próprios que foram se acumulando a cada meta alcançada, seria necessário disponibilizar o acúmulo de conhecimento sobre agroecologia alcançado, até porque com recursos escassos cada material reaproveitado e cada envolvido no processo seria único e não poderia perder nenhuma oportunidade. Claro que muitas descobertas foram feitas em 2024, até as mais óbvias, mas não só se descobre uma técnica nova ou formas de usar materiais, mas também descobertas interpessoais e sociais precisam ser levadas em consideração.
    Se adaptar ao clima local é fundamental para a produção agroecológica assim como se adaptar ao ambiente social. Se adaptar não é fácil, criar situações para gerar resiliência requer previsão e antecipação. Essa experiência no ano de 2024 se deu em Ribeirão Pires, SP no Sítio Terra Viva de Gaia em parceria com a Cristina Kazuko que esteve nesse ano construindo comigo essa via alternativa.
    Com as mudanças climáticas sensíveis durante 2024 inteiro no Sítio Terra Viva de Gaia, trabalhei em um cenário complicado de momentos de chuva intensa e secura prolongada. Reter água e criar condições para uma produção segura passou a ser um dos vários objetivos, entendo que a proteção gerada pelo método agroecológico condiciona os microclimas e protege culturas mais vulneráveis, porém, com os extremos climáticos ocorrendo, há a necessidade de construir proteções nem sempre naturais, sendo esse apenas um dos desafios, o outro, reter pessoas e ideias para a construção do agroecossistema.
    Com um cenário complexo do movimento agroecológico, composto por uma mistura de diversas linhas de pensamentos existindo de tudo nesse meio, desde aqueles com o pensamento puro e mais pragmático, até os críticos e céticos da possibilidade de construção de agroecossistemas em meio ao modo de produção convencional vigente, trabalhar nesse meio requereu parcimônia e tolerância, mas com certo nível de atenção para não cair em um meio onde o progresso agroecológico seja comprometido por métodos ineficazes e ideias equivocadas que parecem perfeitas. A construção de um agroecossistema requer um método abrangente de caráter técnico e científico dentro de diversos campos dos conhecimentos naturais e sociais de difícil integração. A integração mais viável, na minha perspectiva foi a via do trabalho que ainda precisa ser levado em consideração dois caminhos distinto, mas integrados, o trabalho agrícola-tecnológico e o trabalho comercial-logístico. Segui construindo essas duas vias de trabalho ao longo do ano de 2024 e quero apresentar os resultados desse trabalho.
    Quando se pensa um modelo de negócio processos e métodos precisam ser desenvolvidos para que o objetivo seja alcançado, as soluções não se encontram prontas em uma loja ou no mercado, até porque na agroecologia as soluções muitas vezes estão mistificadas e a ecologia precisa ser encarada como algo multidimensional, não existem fórmulas prontas.

O início da transição

    Todo início é complicado, na verdade a pergunta é como iniciar. Por heurística, decidi pelo solo por questões logísticas. Ribeirão Pires está em um território totalmente influenciado pelo mar, pela dinâmica da Serra do Mar, tem umidade elevada, desde o início já sabia das dificuldades de praticar olericultura, porém, o sítio já possuía recursos para iniciar, o que quero dizer com recursos é em relação a matéria orgânica (M.O.), paisagem, água e as culturas que já estavam implantadas.
    A quantidade de formigas era enorme, um importante indicador do desequilíbrio do solo, tudo que se plantava era consumido por elas principalmente as plantas brassicas, couve principalmente, comecei um cultivo de linhaça, uma planta rústica de fácil cultivo, mas também não vingou, as formigas devoraram quase tudo, acredito ter sobrado 1/8 do que foi cultivado, pelo menos o suficiente para colher e transformar em sementes para o próximo ano. Das culturas que já estavam cultivadas a mais abundante era de bananas, com 4 tipos principais (nanica, prata, maça e roxa), caqui de 2 tipos, acerola, goiaba e limão cravo, esse último um tanto complicado visto que o limão não vai muito bem nesta localidade. 
    Havia algum equipamento também uma roçadeira e um cultivador mecânico ambas à gasolina, demos as devidas manutenções e utilizamos para dar início ao tratamento do solo. Começamos com o tratamento, aplicando uma calda com esterco fresco, do qual aplicávamos a cada semana, ao longo de alguns meses seguidos e actinobactérias para acelerar a decomposição da matéria orgânica aplicada. As bactérias conseguimos através de incursões em trilhas na floresta próxima a localidade, fermentamos e conseguimos multiplicá-las, ajudou bastante a estruturar o solo. Isso tudo ocorreu entre o outono e primavera de 2023, no início de 2024 me mudei para o sítio e as atenções começaram a ser focadas, em janeiro já tínhamos colheitas para as cestas agroecológicas da Consumo Consciente ABC.
    Testamos algumas parcerias no início da transição, mas sem sucesso, parcerias são difíceis pois requerem muita comunicação e certa devoção entre as pessoas envolvidas. No trabalho agrícola as partes interessadas precisam estar em solidariedade, focadas em construir meios de produção viáveis para sustentar o processo, caso isso não esteja afinado, a relação se deteriora, pelo menos essa foi a experiência que tive.

Planejamento, energia e potência

    Para o planejamento da produção, foi feita a construção de um mapa do sítio em relação ao ambiente do entorno, este é um passo muito importante, com o mapa é possível fazer todos os cálculos e dimensionamentos para instalação de todas as estruturas necessárias, irrigação, instalação elétrica, setorização, etc. O mapa foi construído com ajuda de GPS portátil e ferramenta de geoprocessamento Google Maps, nesse aplicativo você consegue usar a régua para fazer medidas de áreas e perímetros. Setorizar o local de produção é muito importante para dimensionar as quantidades adequadas de materiais e insumos, os insumos básicos são o calcário, pó de rocha (termofosfato da marca Yoorin) e a matéria orgânica (MO), que darão a base de nutrientes adequada ao solo para suportar a aplicação parcimoniosa dos nutrientes de maior volume que precisam ser aplicados, como o nitrogênio, fósforo, potássio entre outros necessários para o desenvolvimento e anabolismo das plantas que serão cultivadas. Outra coisa legal é poder calcular a quantidade de mangueiras necessárias para irrigação e quantidade de fios para as instalações elétricas o que gera economia e precisão sem ficar correndo atrás de material a toda hora o que gera gastos desnecessários de transporte. O mapa ajuda também a ajustar a quantidade de energia e potência necessárias para o trabalho diário da roça, saber fazer esses cálculos é fundamental.


Planejamento e setorização do sítio de produção, fundamental para produção em escala

    A tecnologia empregada na produção e logística foi pensada dessa vez de acordo com o tamanho da área, eu já havia tido a oportunidade de constatar essa relação em outras experiências de cultivo, da Aldeia Puri em Piracaia entre 2017 e 2021, porém, no Sítio Terra Viva de Gaia as condições de dimensionamento técnico e social estavam mais maduras e os cálculos de energia e potência puderam ser melhor acurados, a relação entre energia e potência não são dissociados, óbvio que quanto mais potência, mais energia precisa ser gasta, porém se de alguma forma essa relação for invertida o lucro é garantido e a tecnologia tem papel fundamental nessa relação.
    Outra relação importante entre produção e logística é o fato de que a distância do local de distribuição tem relação com o tamanho da produção, ou seja, pensar que sendo mais próxima a distribuição o custo diminui é um pensamento incompleto, a produção precisar estar adequada em termos quantitativos conforme a distância do local de distribuição. Em número de cestas a uma distância de 30 km, de 10 a 20 cestas agroecológicas em uma viagem custeia o transporte e distribuição, uma distância de 170 km a relação muda para 30 a 40 cestas agroecológicas, portanto, produzir mais longe requereu mais área de produção e energia e consequentemente mais potência do que em Ribeirão Pires. 
    Entendendo o quanto precisa ser produzido é possível fazer a relação com os equipamentos de trabalho agrícola, para mínima movimentação do solo, porque não aramos o solo e isso vale como lei fundamental, NÃO ARAR O SOLO, para poda de árvores e arbustos, roçada do capim e equipamentos para manutenção da infraestrutura precisam estar com a potência ajustada para que o trabalho flua com ergonomia e eficiência. Adotei uma convenção própria para otimizar a energia, equipamentos com mais de 1 c.v. de potência a opção foram os de combustão interna à gasolina e motores de 4 tempos que não exigem utilização de óleo mineral para mistura com o combustível, abaixo ou igual a 1 c.v. equipamentos à bateria de 18 volts ou combinados para atingir 36 volts, conseguimos ótimos resultados com esse cálculo.

Implantação das culturas e a cesta agroecológica

    No começo, a construção dos canteiros foi feita no enxadão, mas logo vi que não era muito eficiente, pura força e energia humana, demos nosso máximo, mas houve uma grande oportunidade de adquirir um equipamento novo, uma motocultivadora de 6,4 c.v. e 181 cilindradas então o trabalho de construção foi muito mais rápido, da área total de 5.000 metros quadrados do Sítio Terra Viva de Gaia 2.000 metros quadrados foram áreas de cultivo com limite máximo de abastecimento de 20 famílias por semana, o cultivo foi feito conforme a época, outono e inverno é uma temporada de produção mais intensa de verduras, alfaces (vários tipos), escarolas, almeirões e vários outros tipos de verduras foram cultivadas e na primavera e verão focamos no cultivo de legumes. Além disso, os cultivos que já estavam implantados foram potencializados, são cultivos de frutas principalmente bananas e outras frutas como acerola, cambuci, caqui, jabuticaba e citrus.


Utilização de maquinário para preparo do solo e horta cultivada em consórcio, ao lado esquerdo os tambores com caldas preparadas.

    Inovamos na construção de uma estação de produção de bioinsumos. Adubos produzidos no próprio sítio, o qual dividi em dois tipos: sólidos e líquidos. Os adubos sólidos foram produzidos através de composteira neozelandesa, construída a partir de refugo de madeira com volume de um metro cúbico e para carrega-la criei um programa junto aos clientes de coleta dos resíduos orgânicos domésticos através de baldinhos aproveitando a logística das distribuições das cestas agroecológicas, conseguimos produzir ao longo do ano de 2024 aproximadamente 10 metros cúbicos de adubo nesse programa, adubo da melhor qualidade, há quem diga que é dispendioso do ponto de vista energético a coleta, pode até ser, porém, do ponto de vista financeiro economizamos pois os clientes toparam financiar e criamos uma rede de coleta de resíduos desafogando um pouco o que iria para o lixão, além disso, aumentamos o volume do minhocário e foram produzidos mais húmus. Os adubos líquidos ou caldas foram produzidos a partir do chorume do minhocário, o supermagro através de esterco fresco e as incríveis actinobactérias, produzida através da coleta de microrganismos eficientes de solo em ambiente florestal. Esse conjunto de adubos potencializou muito a produção e a fertilidade contínua do solo, baixou o ataque de pragas nas culturas e tivemos uma produção bem estável ao longo do ano.


Atividade de Vivência Agroecológica mostrando a estação de compostagem do Sítio Terra Viva de Gaia ao público

    A manutenção das culturas se deu por diversos tipos de manejo sempre mantendo os cultivos consorciados aumentando a diversidade de alimentos. O cultivo diversificado e estratificado proporcionou mais conhecimento sobre o companheirismo entre as plantas, além disso, o isolamento e aplicação das actinobactérias promoveu associações alelopáticas o que protegeu os cultivos contra ataques de pragas e garantiu a trofobiose e o anabolismo das plantas que cresceram no tempo correto, tivemos resultados bem expressivos com relação a durabilidade dos alimentos cultivados, o que fizeram aumentar os valores nutricionais.
    Toda essa diversidade através do manejo agroecológico fez surgir um novo produto econômico comercial, a cesta agroecológica, ou seja, como a abundância de produtos únicos era baixa, tinha que apostar na diversidade, se em um único canteiro poderiamos produzir entre 3 e 5 tipos de alimentos foi criada um tipo de cesta que pudesse contemplar esse tipo de diversidade, infelizmente para algumas pessoas comer alimentos de época não faz parte do arcabouço cultural, muitos procuravam mas logo desistiam, porém, os clientes que toparam uma nova tradição e caminhar no ritmo da natureza se deram bem pois a economia é garantida e a flutuação do preço é bem pequena, assim conseguimos ótimos clientes o que proporcionou escala para a produção agroecológica, sou muito grato a essas famílias conscientes e inteligentes que fizeram da cesta agroecológica uma complementação do total das suas pautas alimentares. Ao longo do caminho do desenvolvimento dessa tecnologia social espero conseguir parceiros sérios para conseguir mais alimentos para complementar a cesta, porém, parceiros com princípios agroecológicos são escassos.


Panfleto de divulgação da cesta agroecológica para os clientes e associados

    Com essa fórmula, o Sítio Terra Viva de Gaia não deixou de entregar sequer uma semana em 2024 foram quase 500 cestas entregues ao longo do ano sem contar os produtos avulsos que comercializamos dentro dos pedidos de cestas, produtos de parceiros e vendas feitas em feiras das quais fomos convidados, realmente a agroecologia funciona e quando é dimensionada produz em escala, seja em nano, micro, pequena ou grande escala. A escala não significa necessariamente volume, mas está muito mais ligada a frequencia e ao fato de ser economicamente viável, cada temporada e cada cultivo deve ser pensado para sempre haver alimentos no futuro.  

     

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