Talvez não seja tão não convencional assim
As "plantas alimentícias não convencionais" são reconhecidas, contemporaneamente, através do acronimo PANC, mas o que define uma coisa como convencional ou não convencional? Na alimentação, dizem que: aquilo que tem no mercado é convencional e não convencional é que não tem no mercado. Incrível como o tempo vai transformando tudo, inclusive na cultura alimentar as vezes o mesmo prato vai mudando seus conteúdos conforme os ingredientes vão se tornando mais convencionais ou menos convencionais, só ver o arroz com feijão do dia-a-dia e talvez tratar de PANC como algo separado e purificado em plantas isoladas que dão de comer tenha uma inclinação cultural tão convencional quanto um "big burguer plus" da loja vermelhinha e amarelinha que tem em todo shopping de grande cidade. Os inventores das PANC talvez apenas queriam criar algo fora da caixa para compensar o movimento da sociedade de consumo da atualidade.
Na oficina de jardins comestíveis, sobre a história da alimentação no Brasil, onde trabalhei de staff junto com a grande companheira Cristina Kazuko, pude ter elementos para pensar sobre o que eu uso para me alimentar, pude pensar a comida como algo orquestrado e não como algo isolado, apesar da sessão de fitoalimurgia conduzida durante a apresentação dos matos de comer, a narrativa foi sobre um conjunto de plantas, bichos e condimentos que tão harmonia a comida e isso me conduziu a associações sobre as transformações na alimentação que passamos e que não foram transformações essenciais, mas transformações na disponibilidade dos ingredientes.
Em qualquer cidade, qualquer boteco, tem um dia da semana, ou está no menu, o virado à Paulista, o tutu mineiro e por ai vai, sempre quando vou para o interior mineiro ou para o centro de São Paulo, são essencialmente o mesmo prato. Essas comidas não mudaram em essência, porém, ao invés da serralha e de todos os tipos de matos de comer que colocavam no caldo do feijão junto com a farinha de milho foi substituido pela couve, brasica típica do mediterrâneo e resignificada em outros pratos como a feijoada. Esses matos se encontravam no caminho das tropas de comerciantes que fundaram cidades e estabeleceram os primórdios do mercado interno brasileiro. Foi introduzindo ao longo da oficina os conhecimentos sobre a alimentação não só do ponto de vista histórico, mas também conforme sua própria história de descoberta o que de fato foi um compartilhamento metodológico e não só de transmissão de conhecimento. Deu vazão para diversas associações, como essa que estou fazendo.
Lógico que o almoço deveria ser tradicionalmente brasileiro, óbvio, e assim como escutei muitas histórias de ferroviários e povos originários, o cerne de bananeira, a banana, a abóbora, o milho, o amendoim, o feijão, o arroz e todo tipo de iguarias e matos de comer extraídas do chão da própria Chácara Terra Viva de Gaia foram levadas a panela junto com o que havia sido levado já pré-preparado: uma torta de cerne de bananeira, uma guarnição de abóbora e a paçoca, ahhhh a paçoca que se trata de uma farofa de amendoim com milho flocado, redescobertas que me impressionaram e também aos participantes da oficina. Um almoço genuinamente brasileiro e sem dúvida delicioso, tudo feito no fogão a lenha.
Essa brincadeira dialética de "não ser tão não convencional" serve pra gente pensar, como somos levados a formas purificadas, lapidando apenas o que há de aparente e não reproduzindo de forma aprofundada e original o conhecimento. Em essência continuamos nos alimentando tradicionalmente como a 200 anos ou 300 anos atrás, mas em um movimento de valorização ou ressignificação, tentando redescobrir as coisas e fundamentalmente os valores, mas sem querer, nunca de má fé, vamos fazendo esse movimento de valoração de forma inerente a contemporaneidade. Sempre alerta devemos estar para que a cultura não esvaia para a convenção.
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