O fato anacrônico
Por Atelier Aldeia Puri
A estética destoante das obras humanas postada no tempo-espaço contemporâneo coloca uma provocação a vida. O salto material do artista-artesão consiste em entender o fato anacrônico para sobreviver a sociedade moderna que muito se desenvolveu tecnologicamente e pouco distribuiu ao longo dos anos. Não entender esse fato, remete a atos tribais não progressistas por parte dos crafters, gerando uma intensa guerra, com batalhas desonrosas de pura selvageria ética.
Em meio a desordem cronológica das ferramentas que constroem o artesanato, o alimento para vida é produzido com artefatos as vezes obsoletos, ou mesmo "ideológicos" como destacado por aqueles que gozam de acesso as ferramentas ditas corretas para aqueles que se adequaram industrialmente, mas quando posto a energia e o fenômeno da natureza corretas coloca no eixo aquilo que aparentemente é obsoleto. A arte consiste em desenhar com uma infinidade de materiais descartados e dar função para a continuidade da vida.
O fato anacrônico do crafter contemporâneo está em utilizar ferramentas modernas para construir artefatos com materiais descartados que consigam capitar os fenômenos e elementos da natureza para gerar função. Com alguma habilidade manual e algumas séries de tentativas e erros é possível dar escala comunitária aos diversos produtos que podem ser produzidos com esses artefatos que demandam cuidados especiais. Saber de forma aprofundada sobre os fenômenos da natureza não é só uma condição de sucesso, mas um imperativo a segurança do crafter que constantemente precisa sobreviver ao fato anacrônico imposto pela sociedade que construiu um portão, ou uma muralha, separando o mundo da produção em escala industrial da obra artesanal.
A obra do crafter se trata mesmo de arte e artesanato?
Se o mundo corre temporalmente pra frente, pro futuro, e a sociedade moderna extrai da natureza a matéria-prima de forma exploratória e em uma escala avassaladora para seu jogo mercadológico, é auspicioso dizer que a oferta de matéria-prima para o crafter não tem fim. Portanto, não se trata apenas de uma obra estética, se trata de como o tempo caminha, o craft não produz o artesanato apenas como adorno ou complemento da vida moderna, mas também produz valores emancipados à lógica da produção industrial convencional. Caminha paralelamente, tem princípios análogos a modernidade quanto a aplicação das leis das ciências naturais e valoriza uma estética que une a comunidade em torno de solucionar os problemas cotidianos da vida, como se alimentar, se vestir, enfim, bem-viver. O craft é sim uma arte fundido ao artesanato e crítico as limitações impostas pelo mercado. Essa parece ser uma pergunta que irá perseguir aos críticos do artesanato como "industrianato".
O valor das obras em craft
O artista-artesão Victor Dimitrov estabeleceu duas divisões para sua obra, a divisão de produção dos artefatos que manipulam os elementos da natureza e a divisão que produz manufatura com os artefatos. Sob influência de seu mestre-artesão, Sergio Chistou, o artesão entende que precificar os artefatos é relativo a importância que o artefato tem para o processo, já os produtos que nascem dos artefatos geralmente são postos em concorrência no mercado e oscilam de acordo.
Agora o valor humano inerente a obra não tem preço, mas tem humanidade, tem a esperança da fuga da miséria, tem o sonho de tornar democrática a educação das ciências naturais e da filosofia, tem o valor de colocar no eixo a tangente do fato anacrônico provocado pela sociedade moderna que insiste em fazer gambiarras nas relações humanas, se o craft é muitas vezes considerada uma gambiarra técnica, a sociedade moderna vem reproduzindo uma gambiarra social anacrônica e o craft não fará esse tipo de gambiarra. A vociferação tribal miserável dos artesãos crafters não faz sentido, o que faz sentido é ter consciência da guerra que a sociedade moderna faz contra a natureza e contra o ser humano.
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